Eustáquio Rangel

Desenvolvedor, pai, metalhead, ciclista

Sobre direitos e deveres do software proprietário

Publicado em Microsoft


Coisa engraçada eu estava pensando aqui. Ás vezes em algumas palestras ou papo sobre Software Livre versus proprietário entra aquela questão de "no Software Livre, se der pau, vou culpar quem?".

Eu costumo responder que é muito mais fácil conseguir uma correção de um bug, conversando com os desenvolvedores, sejam os do próprio software ou alguém que tenha acesso ao código, do que conseguir suporte ou coisa que preste no software proprietário. Se a sua máquina com aquele famoso sistema operacional travou, você vai fazer o que? Ligar para o fabricante e xingá-los? Adianta ou resolve alguma coisa? Não, não é?

Mesmo isso no âmbito empresarial, não resolve. Se ligarmos para os fabricantes do sistema a cada "pau" que der na empresa, só vamos gastar dinheiro no interurbano e passar raiva, escutando um "a dona-do-sistema agradece a sua ligação, tenha um bom dia", a não ser que a sua empresa tenha um contrato de manutenção enorme com a dona do sistema, onde pode contar com um atendimento mais diferenciado, mas que só vai mudar a conversa, e não vai evitar os "paus" do sistema em questão.

Ah, e vamos deixar claro: estou falando de sistemas devidamente licenciados, os quais você pagou por eles, e estão todos em situação regular.

E aí que vem a parte tragicamente engraçada.

Pensem comigo: se você pagou pelo sistema, deveria ter um sistema mais decente, um suporte mais decente, deveria ter DIREITOS mais vísiveis e justos sobre aquilo pelo que você pagou, não é mesmo? Mas não é assim que funciona.

Posso testemunhar: nos meus dias "no lado negro da força", por ser um usuário bem "caxias" (para os que não entenderam a gíria talvez meio antiga, seria "certinho"), eu usava software proprietário e licenciado. Acreditem se quiserem, mas era assim, sim.

Possuía o Windows 95, 98, o Norton, até o Corel Draw (que comprei em uma liquidação), e várias licenças de sharewares (tenho a do Winzip valendo até hoje). Eu comprei a primeira versão do Visual Studio (traidor!pagão! :-) juntamente com o Visual J++, que era o compilador Java da Microsoft (desse jeito eu entrego a minha idade :-p) e nunca consegui um upgrade deles.

Saiam várias versões de atualização, mas sempre que entrava no site de suporte, era informado que os CDs estavam disponíveis apenas para os USA e o Canadá, e o download eram descomunais (para a época) 70Mb, coisa que se eu usasse uma linha discada e conexão com aqueles modems "velozes" que usávamos na época, ia ficar mais barato comprar uma passagem de ida e volta para os USA, pedir o CD lá e voltar para cá.

Tentei por dois anos consecutivos conversar com o pessoal da Microsoft no stand deles na Comdex, mas as informações que eu recebia eram "faça o download na internet" ou "só sou um representante, não entendo disso".

No final das contas, sem upgrade, sem correções, sem direitos, sem vantagens. A única que eu via era a vantagem moral e ética por estar fazendo a coisa "certa", ou seja, dentro da lei, pagando minhas licenças.

Então, como consumidor e cliente, DIREITOS ZERO.

Só que, do outro lado do jogo comercial entre cliente e fornecedor, a coisa muda. Se não temos muitos direitos práticos aqui do nosso lado, do lado de lá a coisa não é bem assim.

Recebemos aqui na empresa hoje um CD contendo o Microsoft Software Inventory Analyzer, um software que vai varrer a nossa rede e verificar quais softwares com quais tipos de licença existem em todas as máquinas. Dois pontos importantes aqui. O primeiro é que não há problema algum com isso, pois a situação aqui da empresa é regular. O segundo é que você pode argumentar "jogue esse CD fora e pronto".

Mas é aí que a coisa muda de figura.

Juntamente com o CD, recebemos alguns papéis que demonstram as posições das licenças da empresa, que constam no banco de dados da Microsoft, chamado de Posição Consolidada de Licenciamento Microsoft (ELP - Effective License Position) e outro com uma FAQ, onde são respondidas algumas questões, como:
Que direito tem a Microsoft de requisitar esse tipo de informações de minha 
empresa?

O Programa de Licenciamento Select detém certos direitos e deveres, tanto por 
parte da Microsoft como por parte dos clientes. Sob tais acordos, a Microsoft 
tem o direito de proceder a uma auditoria junto aos clientes. O acompanhamento 
dos produtos em campo é um exemplo de uma cláusula do Acordo de Licenciamento 
Select. Abaixo, um exemplo de uma cláusula de um Contrato de Licenciamento 
Select:

A empresa licenciada deverá manter todos os registros disponíveis e atualizados 
relativos à reprodução e distribuição de Software inerentes a este Contrato de 
Licenciamento. A Microsoft se reserva o direito de solicitar que a Empresa 
Licenciada realize uma auditoria interna a qualquer momento, ou antes do 
primeiro aniversário da identificação da Última Data de Repetição de Pedidos 
nos Registros On-Line. Mediante a realização de qualquer auditoria desta 
natureza, a Empresa Licenciada deverá enviar à Microsoft uma declaração 
certificada, por escrito, assinada por um representante legal da Empresa 
Licenciada, que esta empresa tem um número suficiente de licenças que permitam 
ser submetidas à auditoria ou constata que adquiriu o número suficiente de
licenças para permitir que o seu uso seja detectado por tal auditoria.
Complicado, hein? Fiquem de olho nas letrinhas miúdas do contrato, ou parem para ler antes de clicarem no botão "Next".

Mas e se nos recusarmos a rodar esse software aqui e fornecer as informações? Olhem só:
O que pode acontecer se a minha empresa não preencher tais informações?

A Microsoft espera que a maior parte de seus clientes tenham uma atitude 
pró-ativa em relação a essas medidas, que, em última instância, asseguram 
sua conformidade quanto às questões de licenciamento. Entretanto, em 
virtude da grande ênfase que a Microsoft coloca na proteção de sua 
propriedade intelectual, aquelas empresas que não concordarem em aderir a 
esse processo receberão um comunidado formal referente aos direitos de 
licenciamento da Microsoft e aos deveres das empresas em relação aos
acordos de licenciamento Microsoft.
Aqui vemos claramente: quem compra legalmente software proprietário não tem direitos, tem DEVERES! As pessoas pagam não para adquirir direitos sobre o uso do software (que nem é delas, pagam para usá-lo), e sim para ceder DIREITOS para o fornecedor e adquirirDEVERES para com eles. Se transformam em um tipo de empregado não-remunerado que tem a OBRIGAÇÃO de PRESTAR CONTAS com o fornecedor QUANDO e DO JEITO que eles quiserem, pagando por isso!.

Ridículo! E apesar de não deixarem claro, o tal comunicado formal pode ser bem um processo judicial combinada com uma visita de pessoas da estimada empresa para virar a sua empresa de pernas para o ar!

Ainda sugerem um prazo para que façam o que eles pedem:
Qual é o prazo para que as empresas efetivem essas etapas?

Pela experiência da Microsoft, os clientes levam normalmente de 15 a 20 dias
para fazer o levantamento completo do software utilizando a ferramenta de 
MSIA e a consolidação da documentação adicional de licenças FPP e OEM.
Agora vos pergunto: para que diabos comprar e usar software proprietário?
Para além de ficar presos na má-qualidade apresentada por esse software, virar funcionário não-remunerado (entenda-se por "escravo" quem quiser), suscetível a esse tipo de abuso por quem você pagou, comprando DEVERES e não DIREITOS? Um absurdo.


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