Eustáquio Rangel

Desenvolvedor, pai, metalhead, ciclista

Modelos de tocar a vida

Publicado em Developer


Double your drive space, delete Windows

Ontem eu estava trocando umas figurinhas com o meu amigo Carlos Eduardo, da e-Genial, criador do TreinaTOM, sobre os cursos online que eles estão disponibilizando. O Carlos sugeriu que eu ministrasse um curso de Ruby com eles, mais ou menos nos moldes do que tenho lá na Object Training. É uma idéia bem interessante, mas tem um complicador: o TreinaTOM, usado pelo instrutor para transmissão do material e do áudio, não funciona legal em GNU/Linux, o som fica estranho, segundo o Carlos por um problema do Flash com o ALSA. E eu não uso Windows. É, não uso, qual o problema?

O Windows que veio com o meu notebook durou 5 minutos. Eu liguei o notebook para ver se estava tudo ok, mandei um CD do Slackware nele e formatei o bicho, só deixando a partição de ferramentas da Dell. E segundo eu perguntei direto para um carinha da Microsoft que liga aqui de vez em quando, mesmo eu não utilizando o sistema no notebook eu não posso instalar ele em mais nenhuma máquina. Ou seja, aquele CD que veio vai ficar de enfeite até o dia que eu vender o notebook e quem comprar quiser usar Windows. Isso se eu vender né, do jeito que essas coisas evoluem rápido e ele dá e sobra para mim, vai ficar complicado.

Enfim, não tenho nenhum Windows legalizado para utilizar e ... ah, seus leitores maus, comprar um genérico não faz o meu gênero. Sério. Deixa eu contar uma historinha para reforçar um pouco do que vou dizer mais logo. Eu tenho os disquetes (que isso?) originais do Windows 95, os CDs do Windows 98, da primeira versão do Visual Studio, do Visual J++ (que isso?) e são todos originais, comprados, com nota e tudo. Antes de ser esse cri-cri com Software Livre, eu podia me considerar um usuário intensivo dessas ferramentas, isso antes de muito fã atual da Microsoft tocar em um computador pela primeira vez. Eu juro que tentei fazer de tudo para que essas coisas funcionassem direito mas chutei o balde. Ainda bem, pois conheci o mundo do Software Livre, que eu arrisco dizer que, mesmo que estivesse funcionando tudo às mil maravilhas com as Microsoft tools, eu iria conhecer de uma forma ou outra, pois sempre fui um cara bem irriquieto em relação à tecnologia.

Se você juntar nessa equação meu lado contestador mezzo metal mezzo punk, apesar dessa cara lavada que tenho em boa parte do dia, não seria uma surpresa. E aí entra outra argumentação para eu não usar Windows fora a questão legal: eu não gosto do sistema, não gosto das ferramentas, fiquei de saco cheio delas, ponto.

Alguém pode até tentar argumentar que "as coisas mudaram, agora as ferramentas estão melhores, etc etc", mas, quer saber? Não acredito, não estou disposto a acreditar, acho o que a Microsoft faz hoje em dia uma cachorrada tremenda e mais importante, eu não preciso das coisas deles. Aí entramos em uma argumentação padrão de hoje em dia, que reza que quando eu for um empresário e tiver que lidar com clientes, eu vou precisar me adequar ao que os clientes querem e vou perder dinheiro se não fizer isso, e temos dois pontos interessantes:

Vejam que são duas cabeças pensando diferente, dois jeitos de enxergar as coisas. O problema é que a primeira escolha se mostra, talvez, a mais digamos ... "segura", enquanto que a segunda, apesar de terem provas concretas que funciona e não somente em relação à área de tecnologia, ainda é alguma coisa mais "arriscada", que acaba sendo desdenhada como uma coisa não de "empreendedor sério". Vamos dar uma analisada em algumas empresas e pessoas que escolhem a segunda opção.

Vamos nos situar no meio da música, fazendo duas analogias: o pessoal da primeira opção como uma banda de baile, que toca de tudo, e a segunda como uma dupla sertaneja ou uma banda de Heavy Metal. A primeira vai ter trabalho sempre, mantendo uma constãncia de sempre ter serviço e dinheiro no bolso, enquanto que a segunda, enquanto não tiver muito mais trabalho do que a primeira, talvez vai ter o mesmo ou até um padrão maior de serviço e remuneração.

A diferença importante nesse caso é que eles escolheram fazer o que gostam e acreditam, esse é um ponto bem importante, não dizendo que o pessoal da banda de baile não goste ou acredite no que eles façam, mas o pessoal direcionado é mais ferrenho e ousado em relação às suas convicções. Geralmente para uma dupla surgida lá nos cafundós do Brasil ou para um bando de moleques malucos que ficam tocando Metal o dia inteiro (parando uma vez ou outra para ir comprar carne no açougue para a suas mães) é muito mais difícil se inserir no mercado do que alguém mais "genérico". Pode ser que dê certo, pode ser que não. Mas eles fazem o que gostam e acreditam, e tem gente que paga muito bem para os que conseguiram se destacar.

O que dizer da dupla Zezé di Camargo e Luciano ou do Iron Maiden? Lógico que eu chutei o balde nos exemplos, mas eles começaram do mesmo lugar: do zero, do nada, de cada quebrada que dá medo de imaginar, mas sempre mantiveram firme suas convicções e seus propósitos. Não vão pedir para o Zezé tocar uma música do Iron Maiden no show dele nem o contrário, pois não vai rolar. Eu até andei sabendo de sertanejos que estão fazendo projetos para tocar rock, mas ainda são são projetos paralelos e nada do que fira o seu filão de mercado. Tem alguém aí macho o suficiente para dizer que eles estão trabalhando do jeito errado e não se deram bem? Se tiver, vão falar para o Bruce Dickinson que o ele faz não leva a nada. Ele, agora um senhor de praticamente 50 anos que no começo de carreira, segundo reza a lenda, ia em festas para roubar comida, dependendo do humor ou iria ignorá-lo ou você ia escutar umas poucas e boas.

Pulando para o cinema, em uma escala fora dos "blockbusters". Olhem o caso do Darren Aronofsky, o diretor de Pi. Ele não faz filmes de grande apelo popular, mas faz grandes filmes! E, se não está milionário fazendo isso, pelo que parece está bem e continuando a fazer grandes filmes. Assim como outros diretores e atores, ele escolhe o que faz e o que gosta de fazer. É engraçado notar que tanto no exemplo da música como do cinema, pode até demorar para você "emplacar", mas se você fizer uma grande coisa na hora certa, você está dentro, é só não pisar na bola depois e manter o mesmo padrão de qualidade e de posicionamento. Se após o estrondoso primeiro álbum o Slipknot lançasse um CD de forró, eles não iriam muito mais longe não. Seria a mesma coisa o Darren lançar um filme no estilo do American Pie, a credibilidade da honestidade e da identificação do público apresentada nessas situações diferenciadas vai para o fundo do poço.

Indo para o campo da tecnologia. Muita gente torceu o nariz para o acordo entre a Novell e a Microsoft. Eu mesmo fui um. Eles estão rachando de ganhar dinheiro, lógico, mas também deixaram de ganhar, talvez bem menos do que poderiam se mantivessem sua posição fora dos campos de Redmond, perdendo a sua credibilidade perante a comunidade open source, o que pode não ser tão atrativo financeiramente, mas que de uma forma ou de outra tem um peso importante no ecossistema da tecnologia hoje em dia. O que dizer da Red Hat, uma grande empresa que ganha dinheiro exclusivamente com open source? Eles precisam se adaptar ao cliente em um nível onde precisam abrir mão das suas convicções, até como empresa, ou o cliente vai até eles por causa das soluções que fornecem? O Steve Jobs manteve as suas convicções, e olhem onde o cara está hoje. E continua maluco como sempre. ;-)

Dito tudo isso, devo dizer que não tenho problemas ou críticas ácidas em relação ao jeito que cada um toca as suas coisas, desde que não joguem sujo e fiquem atrapalhando os outros, mas acho engraçado (nem tão engraçado assim, para ser sincero) críticas ou desdém no modo que eu penso em levar as minhas coisas. Não precisei usar Windows nos últimos anos para fazer nada no campo profissional e me dei muito bem com isso. Algumas pessoas, que não são poucas, o que me dá uma visão boa de mercado a ser explorado, gostam das soluções baseadas em Software Livre e estão dispostas a pagarem bem para as utilizarem, e até para que seja feita uma adaptação das suas empresas, viciadas no "padrão", para esse modelo de negócio. Se isso não é uma boa oportunidade, ainda mais utilizando e fazendo o que eu gosto, não sei o que é.

Talvez um jeito de ficar milionário fosse uma dessas ótimas oportunidades. Mas vão por mim, entre manter o nível que tenho atualmente usando o que gosto e acho bom ou ficar milionário fazendo o que eu não gosto, sem demagogia, fico com a primeira opção. E essa opinião não vem de um garoto revoltado de 15 anos, que é contra 99% das coisas do "sistemão", vociferando do alto da sua testosterona não. Eu já tenho um bom tempo nesse ramo, já conquistei bastante coisas e é um absurdo o jeito que algumas pessoas relegam todo esse histório de vivência e conhecimento do mercado somente por que vem de um simpatizante do Software Livre. Parece que só quem joga de acordo com os "padrões" é sério, o que é uma afirmação bastante ridícula, que já mostra provas de desgaste, mas que não deixa de encher o saco.

Se algum dia, Deus me livre e guarde, eu passar necessidade e a coisa ficar apertada para o lado da turma lá em casa, podem contar que eu até me visto de Carmen Miranda com um monte de caixinha e CDs do Windows na cabeça, se isso me der dinheiro. Espero que esse dia nunca chegue. De resto, vou continuar lutando por minhas convicções e meu modo de levar as coisas, o que ninguém pode dizer que não é um jeito honesto de se comportar, trabalhar e de postura perante aos outros. Ganhar dinheiro é legal, mas dinheiro não paga tudo, certo? ;-)

Atualizado: Deixa eu fazer um adendo aqui para esclarecer algumas coisas. Algumas pessoas procuraram o Carlos com interpretações meio estranhas do que eu falei aqui, e eu quero dizer que:

  1. O problema que eu mencionei no TreinaTOM no GNU/Linux foi para a transmissão da palestra (ou seja, do instrutor para o aluno), e não para a recepção. Participei de várias palestras nas últimas semanas e correu tudo ok. Se eu testei a transmissão? Não. O próprio Carlos me falou que estava com um problema nesse ponto e eu resolvi nem correr atrás disso. Tempo livre é uma coisa bem complicada.
  2. O Carlos é meio pirado nesse negócio de empreendedorismo (e rapaz, ele ficou meio magoado com essa história) mas é um cara muito mão-na-massa e que eu respeito e gosto muito. Para mim não importa se ele ou alguém por aí usa GNU/Linux, MacOS, FreeBSD ou Windows, desde que não desdenhem ou impliquem comigo pelo que eu uso também!
  3. Ei, seus malas, parem de mandar mensagens para o Carlos achando que eu estou querendo criar caso ou contar vantagem em cima dele. Se foi essa a impressão que deu esse post, por favor me desculpem, não tem nada de "ego" por aqui não, por favor! Não tem ninguém santo ou diabo nessa história (bom, tem a Microsoft do lado do demo), isso aqui é apenas a exposição .. não, a DECLARAÇÃO do meu ponto de vista e de como eu ajo e vejo as coisas. Foi mais uma defesa do "segundo jeito" de levar a vida do que uma crítica ao primeiro. Cada um faz o que quiser, naquela regrinha do direito de um acabando quando começa o do outro.
  4. Carlos, prometo não mencionar mais o seu santo nome em vão (ei, não estou sendo sarcástico não ehehe) quando fizer algum post que possa gerar o mínimo de polêmica. Nem falo mais de pastel de catupiry. Eu aproveitei para falar do trabalho legal da sua empresa (como se precisasse de mais propaganda ;-), desse jeito não poderia deixar de mencionar o seu nome, e acabei sendo ingênuo de achar que a explicação do porque ainda não ter feito nada no TreinaTOM iria acrescentar uma coisa positiva no post. Pelo que a gente viu pelas mensagens que você recebeu, para alguns acrescentou, para outros nem tanto ...



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