Eu assisti Watchmen
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cinema watchmen
Disclaimer: Se você não leu a obra original em quadrinhos, podem haver alguns spoilers no texto, deixe para ler isso somente após assistir o filme.
Ok? Então vamos lá.
Ontem eu assisti Watchmen, na segunda sessão que havia no dia de estréia (só não fui na primeira pois estava esperando um cliente - que me deu "bolo", sacanagem), e devo dizer que estava apreensivo. A representatividade que essa obra nos quadrinhos é enorme. Como muitos bem dizem por aí, talvez apenas "O Cavaleiro das Trevas" esteja em nível parecido, apesar que particularmente eu colocaria algumas outras, como "V de Vingança", que também foi escrita por Alan Moore, no mesmo nível. O diretor Zack Snyder já tinha nos dado provas que era competente em relação à adaptação de HQs, mas Watchmen era uma prova de fogo.
Por tudo isso, essa crítica do filme parte de alguém que, como vocês podem ver, tem conhecimento da obra, e digo mais, cresceu com algumas das coisas de Watchmen na cabeça, pois foram enfiadas lá em um momento onde a maioria de nós tem é muita minhoca lá (na épocaq eu tinha 17 anos) e as reflexões produzidas continuaram a ecoar por muitos e muitos anos depois. Vai ser interessante ler a crítica de alguém que não leu a obra, pois vai dar para ver se muitas das surpresas escondidas durante o filme não ficam muito aparentes, como bem no começo onde quem leu sabe bem o que está acontecendo.
Falando no começo, na HQ ele é composto de algumas sequências simultâneas de eventos, que o diretor conseguiu separar numa boa e que faz muito bem durante o decorrer do filme. Os flashbacks que aparecem são inseridos com maestria. Os mais puristas talvez vão dizer que ficou diferente da HQ, mas peraí, como o próprio Moore falou da adaptação do The Spirit, é impossível refletir exatamente na tela o que foi desenhado na HQ, nem tanto visualmente, mas pelas sequências visuais às quais os quadrinhos nos levam. E concordo com Moore: The Spirit pelo que eu vi, ficou com um visual fodástico (mas que lembra e muito Sin City) mas tudo o que eles fizerem ali não vai ser nem de perto comparável à ler uma HQ dele produzida pelas mãos de Will Eisner.
Outra comparação pode ser feita na voz do Rorschach: é o Batman, poxa vida! Tudo bem que ambos compartilham algo em suas sinas justiceiras, mas ficou muito igual. Eu pelo menos imaginava uma voz um pouco menos grave e soturna, talvez até meio esganiçada. Algo mais, sei lá, "orgânico". Nesse ponto entra a experiência sonora que o cinema nos dá, especialmente com a trilha sonora incidental ou regada à diversos clássicos escolhidos à dedo pelo diretor, que na maioria das vezes, funcionam muito bem, apenas uma ou outra música eu achei um pouco deslocada.
Muitos dos elementos da HQ estão no filme de maneira perfeita. Acabei de (re)ver aqui na HQ o cartaz que fica no lado de fora da oficina de consertos de carros antigos, e é idêntico. Os uniformes, as fotos, tudo foi muito bem cuidado. Os personagens, digamos, "normais", sem uniforme, também foram muito bem caracterizados. Vale destacar a semelhança assombrosa que eu particularmente notei entre o Coruja (o mais recente) e o Batman de Adam West. Não, não tem "soc, paf, bum", mas o bom-mocismo em grande parte do tempo, especialmente quando ele diz algo como "cidadãos, estamos aqui para garantir a ordem" ou coisa do tipo, o típico "bom moço". Desconto louvável se dá enquanto ele briga e produz algumas fraturas expostas nos adversários.
Muitas cenas foram totalmente cortadas ou alteradas, mas dá-se um desconto para o diretor: o filme tem 2 horas e 43 minutos, com as outras cenas (que devem sair em DVD) iria para mais de 3 horas, mas todos os pontos chaves estão lá. Os "extras" da HQ, como os trechos de "Sob o Capuz", o livro escrito por Hollis Mason, o primeiro Coruja, os Contos do Cargueiro Negro e os "artigos de jornais", são perdidos no filme, apesar que Os Contos vão sair em forma de animação no DVD, com dublagem do Gerard "This-is-Sparta!" Butler. Quem puder ler a HQ com certeza vai adorar esses extras e vai entender, por exemplo, que raio de bicho que a Bubastis, o felino que aparece com o Ozymandias, é (tá, eu conto: é um lince alterado geneticamente).
Algumas liberdades criativas estão presentes no mesmo teor que algumas das cenas mais fortes que eu achei que talvez seriam cortadas ou alteradas. O diretor usou e abusou do Dr. Manhattan peladão durante o filme e fez a cena que o Rorschach vai atrás da garotinha raptada mais violenta e explícita ainda de como foi apresentada nos quadrinhos. É a cena mais forte do filme, em minha opinião.
Outra liberdade criativa foi o fato de que o Dr. Manhattan não fica peladão durante tanto tempo na HQ como fica no filme. No filme há muito nu frontal dele, ou seja, tomem cuidado em assistir depois em DVD perto de crianças pois além de aparecer a "coisa azul", o diretor exagerou um pouco no tamanho, ainda mais com o treco "desativado". Apesar que, se alguém aí fosse um cara com os poderes do Manhattan e vivesse pelado por aí, não iria se reconstituir com um treco, digamos, de pequeno porte né. Iria ser ruim para o marketing. Ah, o símbolo na testa dele é o modelo de um átomo de hidrogênio.
Outra coisa em que o filme foi inovador foi ter a primeira cena de super-heróis transando, peladões. Tem coisas que demora, mas a gente vê.
Eu achava que o jornaleiro tinha que ter mais participação no filme. No filme ele não fala nada e na HQ ele tem alguns diálogos que acho que funcionam muito bem como uma "cola" de várias coisas que vão se desenrolando durante a história. Pena, mas como mencionei anteriormente, ia ficar um filme enorme se tudo fosse filmado, por isso recomendo enfaticamente a leitura da HQ.
No final das contas, achei um bom filme e uma ótima adaptação dos quadrinhos. Talvez ele não seja ótimo do ponto de vista de um filme que espera ter um bom retorno e com certeza não um filme para todos. É diferente de um "Dark Knight" pelo nível de ação com certeza, mas as qualidades do filme não se encontram na pancadaria e talvez não agradem bastante gente que foi assistir achando que ia encontrar algo do tipo. Ontem na sessão teve uma moça que foi embora na metade do filme, antes mesmo da parte mais centrada no Rorschach! Torço para que dê um bom retorno (ele custou US$ 100 milhões) para que continuem fazendo adaptações direito.
O filme se desenrola em um ritmo morno mas que não fica maçante, e vai ser interessante acompanhar as críticas de quem não havia lido a HQ. Para nós que lemos, é um bom filme que não tem o mesmo impacto da HQ por já conhecermos a história e ficarmos sempre com aquele gostinho de "faltou alguma coisa". Mas que filme pode conseguir isso, não é mesmo, em duas formas tão distintas de arte?
Assistam, vale a pena. Agora estou indo lá na livraria comprar a minha Watchmen - Edição Definitiva. :-)
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Eu baixei uma torrent do Watchmen em espanhol mas com a imagem boa, apesar de ser Telesync. Estou vendo as cenas de novo, e comparando mais.
Continuo com a opinião que Zack Snyder é um gênio, e em especial que superou o Alan Moore. Um outro exemplo em que ele fez melhor foi aquela ridícula explicação metafísica, no gibi, sobre a probabilidade da vida. Como você sabe, eu estou fazendo mestrado em biologia molecular e genética - evolução - e me deixa MUITO puto quando alguém tenta deturpar conceitos científicos sólidos. É o caso dos malditos criacionistas tão em moda hoje em dia - e o argumento do Dr. Manhattan, no gibi, é criacionista, na medida em que ele diz falaciosamente que a probabilidade de vida é probabilisticamente ínfima. No filme, Zack Snyder mudou sutilmente a explicação e isso passou a significar apenas nuances de personalidade - muito mais aceitável. Dê uma olhada nos diálogos e diga se eu tenho ou não razão.
Você conhece o blog Pharyngula, do cientista PZ Myers? Ele coloca um vídeo engraçadíssimo sobre a mudança de Watchmen aqui (em especial, ele adora cefalópodes, deve ter ficado puto com a remoção da lula) e agora eu vi um post novo em que ele também disse que o final novo foi melhor aqui.
Patola, falar que o Snyder é mais foda que o Moore é blasfêmia. :-) Melhorar uma idéia é bom mas ainda parte do princípio que o cara que teve a idéia que foi original e para ter umas idéias como o Moore tem, pô, tem que ser fodão. :-)
Eu gostei do final, foi um lance mais pé no chão em certo contexto. O lance de fazer a lula aparecer somente nos EUA talvez tivesse a ver com a idéia do Moore que os recursos para fazer a coisa acontecer seriam gigantescos, e para "sortear" um lugar nada melhor do que a casa da editora da época né, vai saber ... apesar que apareceu uma "lula" menor aqui também que fica aí enchendo o saco faz 8 anos. :-)
O que eu achei massa no lance do final alterado que aí sim foi descentralizado o vínculo do Dr. Manhattan com os EUA. Até aquele momento ele era uma força de um país só, depois ele virou uma força que ameaçava o mundo. Tá, o universo, mas quem se importa dele detonar alguma galáxia distante, não é mesmo?
O lado incógnito do Manhattan é interessante pois para "humanos normais" ele fica parecendo um alienígena, mas para alguns excepcionais como o Ozymandias, que como ele bem disse, sabe olhar, ele ainda representa um lado humano mais complexo escondido ali embaixo de toda aquela suposta aura de Deus. Nem o próprio Manhattan deve entender direito o que aconteceu com ele. Aquela frase do "presenciei eventos tão pequenos e rápidos que é difícil dizer mesmo que aconteceram" ou algo do tipo mostra que até ele tem uma pequena incerteza sobre o todo.
Ontem eu vi o filme novamente! E com a minha esposa, que não havia lido a HQ. Ela gostou. Vou tentar convencê-la a escrever algo. :-) E ... putz, não reparei na cena do restaurante, assim como não havia reparado na panorâmica de Marte quando o Manhattan diz para a Laurie que eles iriam voltar para a casa. Lá vou eu ver o filme de novo ... mas vou te falar: só com o DVD que vamos pegar todas essas nuances. Será que demora muito para sair? :-)
Cara, na hora de assistir, eu tomei um certo choque com algumas mudanças no roteiro, mas, pós-filme, em que a gente começa a pensar... Porra... Meu... O Zack Snyder fez um monte de MELHORIAS no conto de Alan Moore. De boa, ele conseguiu melhorar a explicação metafísica do doutor Manhattan sobre a importância da vida sem apelar, como o Alan fez, para um inexistente "milagre termodinâmico" nesse caso e para o pensamento criacionista, você chegou a notar isso? Eu percebi uma série de sutilezas nas mudanças de roteiro e estou pensando se de fato o Zack Snyder não é MUITO MAIS foda do que o próprio Alan Moore. A relação do Doutor Manhattan com Deus ficou mais elaborada, a associação de ateísmo com amoralidade e falta de significado do conto foi removida (eu sou ateu, para mim isso é importante na medida em que a história não estigmatiza minha posição) e, principalmente... o final. O FINAL.
Bicho, o final foi MELHOR que o original.
Não estou zoando. Sim, eu sei. A Lula gigante mutante teletransportada, a princípio, parece um final melhor. Afinal, ela apela para o nosso senso de grupo e a psicologia social realmente ratifica a proposta: diante de um inimigo exterior, grupos humanos realmente se unem e resolvem suas diferenças.
Mas nunca é explicado por que, afinal, a Lula é teletransportada apenas para Nova Iorque. Mas que merda isso! Os estadunidenses sempre se acham o centro do mundo, e Alan Moore não foi exceção. Por que não podiam ser várias Lulas em vários países, para estimular o mundo a se unir? O MUNDO TODO se chocaria e agiria em grupo contra uma ameaça que, parece, só vitimaria a merda dos EUA? Não, isso é muito pouco verossímil, mesmo que a ameaça fosse um aparente alienígena.
Você percebeu que o Zack Snyder melhorou essa parte, descentralizando a ameaça? Moscou foi afetada, várias cidades do mundo todo também.
O presidente dos EUA, o babaca, corrupto e duplo-narigudo Nixon, se revela traído pela sua maior arma. O Doutor Manhattan, poderoso e amoral como é, cabe perfeitamente bem no papel de "lado negros dos Estados Unidos", algo contra o qual todo mundo realmente se uniria. E faz mais sentido, no final. Mesmo não sendo extraterrestre, mesmo não sendo tão "Deus Ex Machina" e tão incógnito quanto um extraterrestre. Melhor ainda, faz ele ser pelo menos cognoscível, podendo ser derrotado com o devido estímulo, ao contrário de uma ameaça alienígena com aparição única.
Ok, mas ainda estou formando opinião. Hoje, talvez, devo ver o filme de novo: ontem eu fui o PRIMEIRO a entrar no cinema, fui com o Watchmen todo no celular pra comparar as cenas, e saí tonto do filme.
Com certeza, vai marcar uma época. As inovações que o Zack Snyder pôs no filme, como o nu frontal estilo motumbo num filme hollywoodiano, vão influenciar gerações. Mas vamos precisar de MUITA discussão pra processar essa obra épica.
Ah, uma coisa que eu não tinha notado: que havia a insinuação, no conto, que o Comediante tinha matado o Kennedy. Percebi que o Zack Snyder fez questão de deixar essas e muitas outras coisas bem explícitas, para um público burr... não tão bem informado. :P Você viu que a cena da conversa da Laurie e do Dan no restaurante TEM um senhor bonachão de bigode que parece com o par homossexual de heróis desaparecidos (que se supõe serem o Hooded Justice e seu amante Ellis) da conversa da história original?